Fidelidade a si mesmo na busca do transcendental



 

A reconciliação com Deus, um tema recorrente que atravessa dimensões espirituais, filosóficas, psicológicas e até científicas da existência e experiência humana. Mais do que um conceito teológico, ela representa uma jornada intrínseca e particular — uma experiência individual e subjetiva de retorno à transcendência, à purificação e à harmonia com o divino e Reinos Divinos. Trata-se de um movimento silencioso de desvelo da alma em direção à sua origem sagrada.

Um Chamado Espiritual e Filosófico

Sob uma perspectiva espiritual-transcendental, a reconciliação pode ser compreendida como a busca por restabelecer a conexão entre o ser humano e o Sagrado. Essa jornada tem sido frequentemente representada pela metáfora da “porta estreita de fidelidade” — um símbolo que aponta para um processo de transformação interior e refinamento da consciência e percepção das nuances da vida.

Esse processo exige esforço consciente, autossacrifício e a transmutação de padrões mentais e emocionais que são limitantes diante das atratividades da materialidade. Podemos entender como  uma espécie de alquimia da alma, que transforma o “chumbo” da ignorância e da repetição inconsciente no “ouro” da sabedoria e da presença espiritual.

O Reino de Deus e as Hierarquias Celestes

Na teologia mística, Deus não se manifesta apenas como uma presença abstrata, mas por meio de um Reino Divino — uma realidade viva e dinâmica, estruturada em esferas ou reinos espirituais, habitados por consciências elevadas que colaboram com o plano divino. Esses reinos, muitas vezes descritos em tradições religiosas e esotéricas, estão organizados em hierarquias celestes com funções espirituais específicas para atuar na Natureza e junto a humanidade.

Por exemplo:

  • No cristianismo místico, fala-se de céus ou moradas celestiais, como descritas por Santa Teresa de Ávila, e das hierarquias angélicas (anjos, arcanjos, querubins, serafins) que servem à vontade divina.

  • No espiritismo, há menção a colônias espirituais como Nosso Lar, onde os espíritos continuam sua evolução moral e intelectual.

  • No hinduísmo, os lokas (como Svarga Loka e Satya Loka) representam planos superiores de consciência.

  • Na Cabala judaica, há mundos como Assiyah, Yetzirah, Beriah e Atziluth, que simbolizam níveis de realidade espiritual em diferentes graus de pureza e proximidade com a Luz Divina.

Essas hierarquias não impõem controle, mas guiam e sustentam a ordem cósmica de acordo com sua Criação, acolhendo as almas em seus diversos estágios de desenvolvimento após a vida terrena. A reconciliação com Deus, nesse contexto, é também um reintegro à harmonia universal — uma reentrada no Reino por afinidade vibracional, alcançada pela transformação interior.

Individualidade e Verdadeira Autenticidade

Por mais que queiram os ministros religiosos arrebanhar seguidores, a individuação como processo de formação da personalidade que porta em si vivências e experiências, importante compreender que essa experiência é, por natureza, individual — mas ser individual não significa ser egoísta. Pelo contrário: trata-se de um chamado à autenticidade e à responsabilidade pessoal. Cada ser humano precisa trilhar seu próprio caminho, fazer suas próprias descobertas, e enfrentar suas próprias sombras e contradições. Ninguém pode realizar esse percurso por nós.

Essa jornada interior requer coragem para enfrentar obstáculos e adversidades, pois tocar o divino exige atravessar os desertos da alma, lidar com as dúvidas, os medos e as resistências que nos afastam da verdade mais essencial, estar conhecendo diversas entidades espirituais ao longo dessa trajetória. A reconciliação, portanto, um ato íntimo de coragem e de comprometimento com a própria transformação que requer dedicação e continuidade na integração desse religar à Deus.

Purificação e Elevação Vibracional

A purificação espiritual, um tema recorrente nas tradições místicas e religiosas. Ela diz respeito a uma limpeza energética que permite ao indivíduo elevar sua frequência vibracional, tornando-se mais afinado com os níveis superiores de consciência. Esses estados mais sutis estão associados à compaixão, à paz interior e à sabedoria universal.

Essa purificação também se manifesta no coração: transformar sentimentos densos em expressões luminosas da alma. Trata-se de converter o ódio em amor, a raiva em compreensão, o ressentimento em perdão. É nesse trabalho interno que ocorre a verdadeira reconciliação — não apenas com Deus, mas com o outro e consigo mesmo.

Transformar os afetos negativos em positivos não é suprimir emoções, mas redirecionar suas energias de forma consciente, curando feridas internas e criando espaço para a graça e a paz habitarem o interior.

O Sacrifício Consciente e Transformador

O chamado “sacrifício em vida” , nesse contexto, uma renúncia consciente ao egoísmo, à materialidade excessiva e aos padrões que nos afastam de nossa essência mais elevada. Longe de ser um sofrimento imposto, esse sacrifício é um ato de liberdade interior — uma escolha deliberada por valores mais amplos, mais duradouros e espiritualmente alinhados.

Cada renúncia torna-se um passo na direção do autoconhecimento, da superação e da integração pessoal. A reconciliação com Deus acontece, então, não como um evento externo, mas como uma realização íntima, que transforma pouco a pouco a maneira como se vive e se percebe a realidade.

A Visão da Ciência

A ciência, especialmente por meio da neurociência e da psicologia, tem demonstrado que práticas como meditação, contemplação e oração podem alterar positivamente o cérebro humano. Elas ativam áreas associadas ao bem-estar, à empatia e à sensação de conexão com algo maior, promovendo mudanças perceptíveis no comportamento e nas emoções.

Essas descobertas sugerem que o caminho espiritual também passa por um processo neuropsicológico, que apoia a saúde integral do ser humano e reafirma o valor das experiências interiores como fontes legítimas de transformação.

Unidade, Música e Integração

A reconciliação com Deus, portanto, uma jornada de retorno ao centro — ao núcleo, a centelha divina que possuímos de mais verdadeiro do ser. Ela une o indivíduo ao cosmos, reconecta o finito ao eterno e revela que o divino não está distante, mas pulsa no interior de cada um. Um processo intrínseco e particular, vivido de forma única por cada alma, no ritmo e na linguagem que seu coração compreende.

Essa jornada não exige perfeição, mas entrega.

Não requer dogmas, mas sinceridade.

E ao atravessar essa “porta estreita”, o que se encontra não nos limita, mas nos dá a liberdade. Liberdade de ser quem se é em essência: parte viva, consciente e reconciliada com o Reino de Deus — com tudo o que é eterno, justo e amoroso no universo.

Como expressou poeticamente Gilberto Gil:

“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar…”

“Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho…”

“Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus…”

“Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a hora
Tenho que ter a alma rasa
Dos carinhos da vitória…”

“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aceitar…”

E assim, passo a passo, verso a verso, cada um de nós será chamado a silenciar o mundo lá fora, voltar-se para dentro — e falar com Deus.

 
 

Fidelidade a si mesmo na busca do transcendental

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