Este estudo analisa criticamente os usos e ressignificados dos termos macumba, black magic e superstição, demonstrando como a linguagem opera como instrumento de poder, exclusão e resistência. Partindo da constatação de que as palavras não são neutras, mas carregam marcas históricas e políticas, discutimos como práticas religiosas afro-brasileiras foram estigmatizadas pela colonialidade do saber e pela hegemonia cristã, sendo associadas à irracionalidade, ao mal e à marginalidade. Aborda-se também a dimensão racial presente na expressão black magic, que reforça estereótipos de inferioridade ligados à cor e à cultura negra. Ao mesmo tempo, destacamos o processo de ressignificação empreendido pelas comunidades praticantes, que transformam termos de opressão em símbolos de identidade, resistência e orgulho ancestral, configurando o que Sueli Carneiro denomina reexistência. Conclui-se que a linguagem é um território de disputa simbólica: pode ser veículo de preconceito e violência, mas também espaço de reconstrução e dignificação cultural. Assim, torna-se urgente refletir criticamente sobre as palavras que reproduzimos, evitando reforçar discursos de ódio e exclusão, e abrindo caminhos para uma sociedade mais plural e justa.
Palavras-chave: macumba; superstição; black magic; reexistência; colonialidade.
A palavra “macumba” carrega consigo, de maneira intrínseca, o peso da marginalização cultural e religiosa que fora ressignificado no imaginário coletivo desde o período colonial. Ao ser pronunciada, ela nos remete a um universo simbólico que foi, ao longo do tempo, estigmatizado por uma sociedade que prioriza a lógica ocidental e cristã. Assim, a expressão “macumba” assume um tom de desprezo, um selo de inferioridade e, mais grave ainda, uma associação com o “perigoso” e o “irracional”. Neste processo de descaracterização de significado, a ressignificação negativa tem sido ao mesmo tempo alarmante e intrigante, como a linguagem pode ser usada para ser empregada em tais estratégias de exclusão e intolerância religiosa. Quando observamos essa palavra em contraposição a termos como superstição ou black magic, fica quase impossível não perceber como as construções linguísticas e culturais distorcem, pelo discurso, a percepção social, criando uma linha tênue entre o ‘aceitável’ e o marginal’ como padrões socioculturais em um processo de doutrinação subjetiva. Nesse movimento, o que inicialmente opera como selo imposto — marca externa de estigmatização — acaba se convertendo em signo, internalizado e reproduzido no cotidiano, naturalizando concepções preconceituosas que perpetuam a exclusão.
Embora também carreguem sentidos depreciativos, esses termos não alcançam o mesmo grau de hostilidade reservado à macumba. Quando falamos de superstição, por exemplo, há uma conotação universalizada de algo a ser evitado, mas sem o mesmo grau de hostilidade com que se define a “macumba”. A relação entre esses termos e as práticas religiosas que a representam não beiram apenas uma questão de crenças, mas de poder nas relações interpessoais ao longo da história. O que está em jogo não diz respeito apenas a definição do que é sagrado, mas a manipulação do discurso que assegura a permanência de certos sistemas de controle — como a religião institucional, o direito, a política e a mídia —, os quais estabelecem fronteiras simbólicas entre o aceitável e o marginal, legitimando práticas de exclusão e inferiorização.
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