O Silêncio: o educar da Alma

Sigo meu coração, que pulsa em mim com uma força silenciosa, guiando-me por caminhos que a razão, por vezes, não compreende seus significados. Ele sussurra os meus desejos mais íntimos e profundos, as vontades que me pertencem e que, de algum modo, sei serem minhas, mesmo quando o mundo ao redor tenta ditar outra direção e sentido. Trata-se de um impulso primitivo ou da adolescência e, ao mesmo tempo, algo humano cheio do: desejar, acreditar e seguir em direção ao que nos faz sentir vivos em nossa solidão.

Esse coração, muitas vezes idealizado como uma chama ou um oráculo interno, nos lembrando do que nos traz felicidade — mas uma felicidade mais singular, que não se confunde com prazer momentâneo, e sim com um estado de paz que nasce da coerência entre quem somos e como agimos. Por isso, há quem escolha segui-lo mesmo diante da incerteza ou dúvidas, como quem caminha no escuro confiando na própria intuição para não cair. Contudo, esse caminho exige maturidade emocional. Não basta sentir — é necessário compreender o que se sente e seu momento de acontecimento.

Seguir o coração, em sua forma mais pura, assemelha-se a atravessar um rio com correnteza: a margem está visível, mas é preciso coragem para sair do lugar e enfrentar a força das águas que arrasta para longe de onde queremos chegar. Em muitos casos, a travessia se dá na fé, como um salto em direção ao desconhecido e imaterial. Entretanto, há um risco real: se esse coração estiver poluído por mágoas, rancores ou orgulho, ele nos levará ao fundo do rio, e não à outra margem em segurança. Emoções não processadas tornam-se armadilhas internas que um dia criará latência nessa travessia.

Nem sempre o que sentimos corresponderá à verdade, mas à algo próximo dela. Quando a raiva, o medo ou o ego ferido assumem o controle, o coração deixa de funcionar como bússola e se transforma em armadilha que nos afasta de um caminho. A razão, por sua vez, tampouco é infalível: ela se alimenta de dados, experiências, memórias e crenças — e muitas vezes interpreta tudo isso sob lentes distorcidas da realidade. Assim, podemos ter sentimentos verdadeiros e raciocínios convincentes que, no fundo, apenas nos afastam do que é essencial para trilhar rumos de transcendências e de abandono do egoísmo.

Nesses momentos de desorientação emocional e mental, o silêncio se apresenta como uma possibilidade de olhar ao espelho que reflete nossas máscaras. Não um silêncio qualquer, mas aquele cultivado conscientemente: o silêncio que suspende o ruído externo para permitir a escuta interna e retirar as máscaras de nossa personalidade. Nesse vazio é possível realinhar o eixo, observar sem agir, sentir sem reagir e compreender nosso ser. O silêncio, quando não se confunde com fuga, revela o inconsciente.

Para alguns, o silêncio parece abandono de nosso lugar. Para outros, representa liberdade. Assemelha-se a uma noite escura que exige que nossos olhos se ajustem, até que comecemos a enxergar o que antes era invisível e imaterial. Neste espaço de pausa e recolhimento, reconhecemos o quanto nos afastamos de nós mesmos e dos valores que dizem nos guiar como norte espiritual. Nesse silêncio inicia-se o retorno ao que éramos antes de nascer.

Mas o retorno, embora possível, requer disposição para reconhecer os erros e os reparar. Não há volta sem arrependimento sincero, sem autocrítica e perserverança diante de obstáculos. E, muitas vezes, somos nós que nos afastamos dos nossos próprios princípios, dos mestres que nos inspiraram, da espiritualidade que um dia nos guiou e de nossa missão de vida. O caminho de volta não é geográfico — trata-se de um percurso moral, ético e emocional. Requer coragem para olhar para trás sem se culpar, e para frente com responsabilidade, continuar a andar

Dentro dessa liberdade de escolha, o livre-arbítrio surge como elemento central que cria confusões. No entanto, o conceito tem sido deturpado. Justificar atitudes destrutivas sob o pretexto de liberdade de expressão, uma armadilha que prende para confundir a autonomia com egoísmo. Dizer “falo o que quero” ou “faço o que bem entender” não é liberdade — mas a negação da convivência e uma expressão do Egoísmo. A liberdade que ignora o outro transforma-se em violência simbólica, em preconceitos e na ação se transforma em Bullying.

Essa confusão aparece nos discursos que exaltam a individualidade a qualquer custo. Palavrões, humilhações e atitudes autoritárias são normalizadas como formas legítimas de expressão. Mas, ao agir assim, tornamo-nos como jardineiros que, em vez de cuidar das flores, as pisam deliberadamente como de direito por estar cuidando. Acreditamos estar exercendo o poder, quando na verdade estão revelando a própria insegurança e a desconexão espiritual com o coletivo ou com o outro.

Liberdade autêntica e na convivência com outros exige responsabilidade. Não basta poder escolher — é fundamental compreender as consequências das escolhas que realizamos durante a vida. E, quando se trata de Educação, essa consciência torna-se ainda mais necessária. O educador, aquele que ensina outros a viver, não forma apenas opiniões, mas também consciências. Ele carrega a responsabilidade sobre como conduz, corrige, orienta e enfrenta os problemas que possam surgir. Cada gesto tem peso nas ações, e atitudes impactam o outro de maneira negativa ou positiva, marcas e cicatrizes que nos acompanham em nosso íntimo.

Ser professor exige lidar com essa dualidade o tempo todo. Como orientar sem oprimir? Como corrigir sem humilhar? Como incentivar sem manipular? O ofício docente se assemelha a caminhar com uma lanterna em uma floresta escura — às vezes a luz é forte e mostra o caminho com clareza; em outras, é apenas uma faísca que permite ao outro vislumbrar por onde começar, ou ainda, pode confundir o caminho por não ter a iluminação suficiente.

Quando o educador também é alguém em busca espiritual, seu papel se expande. Ele se torna cuidador de almas em formação. Lapidar consciências é uma arte que exige sensibilidade. É preciso reconhecer a hora certa de intervir, o tom adequado da correção, o tipo de silêncio que ensina mais do que mil palavras. Uma palavra mal colocada fere. Uma palavra bem colocada desperta. Acertar ou errar faz parte do oficio docente, esperamos agir para acertar mais do que errar.

Entre o diálogo e o comando, reside o discernimento de como agir. O diálogo abre escuta, convida à reflexão e minimiza conflitos. O comando torna-se necessário diante de riscos, urgências, ou limites que precisam ser preservados. Educar é saber transitar entre esses dois lugares, sempre com empatia e intenção construtiva. O educador atua como mediador entre liberdade e responsabilidade, entre rebeldias ou insatisfações, entre ser amado ou ser considerado um chato.

Ao final, percebemos que não há fórmulas prontas ou verdades absolutas. A jornada espiritual e o trabalho educativo compartilham da mesma natureza: são experiências complexas, vivências que geram alegrias ou dores, moldadas por intuição, escuta, razão e entrega. Crescer espiritualmente, uma medida adimensional, também diz respeito a educar-se; contudo, educar alguém indica também o acompanhar a alma em transformação de seu díscipulo.

Portanto, que cada um de nós — especialmente aqueles que habitam a sala de aula — compreenda o tamanho da sua responsabilidade. Que ao entrarmos em sala, estejamos conscientes de que não lidamos apenas com conteúdo, mas com histórias, dores, dúvidas e possibilidades. Que sejamos faróis, mas também abrigo para quem nos procura com sinceridade de aprender. Que sejamos firmes, mas também compreensíveis. Porque ali, naquele espaço limitado por quatro paredes, o mundo pode começar a mudar quando há a participação do discente — uma escuta, uma palavra, uma escolha por vez. Que a espiritualidade não fique apenas nos livros ou nos rituais, mas se manifeste no cotidiano de quem educa: na paciência de uma correção, na escuta de um silêncio, na compaixão por uma alma em construção e em silêncio.

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